Poeminha 31

31 de out. de 2009
Esgueirava-se nua pela sala
À sombra do armário estava
A face cravejada de marcas
O frio deixava-se ficar
A chuva caia dolorosa
Alguém assoviou na rua
E fez-se a cena da morte
A garota agora visível
Não tinha 12 anos feitos
E falou, falou como padre
Como padre há muito morto
Falou em língua perdida
E secamente virou-se, nua
Sumiu no escuro da casa
Engolida pelo escuro da casa

Carne amarga

Arranha a alma
E vamos seguindo
Mesmo sem andar
A gente acaba indo

Vamos, meu doce
Mude o seu sorriso
E veja à frente
O caminhar vencedor

Se você não sente
Que pena
Tudo entre nós se apagou

...

Para poder sem sim
Para poder tem sim
Para poder ter sim
Para poder ser sim
Para poder ler sim
Para poder ver sim
Para poder vem sim
Para poder nem sim
Para poder bem sim

Bom dia, Tia

30 de out. de 2009
O tempo fazia
A sala vazia

A casa zunia
A mãe fervia
O café

À velha mania
No sofá jazia
Seu Zé

O sono trazia
E o Zé dormia
Até

Cansada grunhia
De lavar na pia
Maria

E dava azia
Se da porta surgia:
"- Bom dia, Tia"

Poeminha 43 do segredo

29 de out. de 2009
Poeminha dedicado
A vidinha calada
Que se esconde,
Se embriaga de si mesma
E se apóia tristinha
Na mesa do quarto
E vai-se indo, tadinha
Tão, tão, tão besta

Poeminha 21 aleatório

Chove as gotinhas no cimento
A água se faz e forma a poça
Chuva só é bom se tem galocha
Que não deixa molhar o pezinho

A cidade leve nua turva a rua
Se o óleo negro escapa do motor
Na água o sol bate e multicor!
Arcos-celestes tingem a calçada

Chove animação na festa aberta
Molha a teta dela e a sua testa
E vão-se os carrinhos de algodão
Descansar nas varandas cobertas

Quem leva a vida livre do telhado
Sai à procura de teto e de afeto
A chuva no início afeta o vício
E dói a dor latente do reumatismo

E não se ouve mais as criancinhas
Os cachorros dormem encolhidos
Os ladrões respeitam o muco do muro
Fecham-se as janelas da “sala de tv”
Ninguém recebe visita em dia de chuva

Fim

28 de out. de 2009
Amanhã as coisas não
Serão mais como são
E quem teve a mão
Suja de sangue em vão
Levará à face e então
Tornará a ver do chão
Surgir a mortal ilusão
E do homem o cão
Surgirá

Batalha

Corre o veterano de guerra
A criança colhe pão nas ruas
A feiticeira venda o rapaz virgem
A senhora de idade falece na cama
E a vitória se anuncia no espaço
Os corpos já se uniram à terra
E o Verme é o fim do ciclo
O Verme agradece a dádiva

Para Tia Pati

27 de out. de 2009
Eu vi a ave
A ave me viu
Eu fiquei aqui
E ela fugiu

Poeminho 52 para Joanna

Essa coisa vicia
Mais que cocaína
E a piada da paralisia
Vicia do jeito mais nefasto
Daquele que não tem como fugir
Se entro em um vejo todos
Que o babaca resolveu seguir
Com o meu mesmo não me importo
Mas vício mesmo é isso aí
Não ligar pra gente e seguir
De buraco em buraco
Absorvendo tudo o que há
E depois de alguns anos
Se tudo correr bem
Cancelo a internet
E vou me reabilitar

Poeminho 47

Ainda resta
Da vida uma réstia
Mofada no canto

Ainda escorre
Da parede o óleo
Que você pintou

Ainda existe
De você o pedaço
Que minha boca guardou

Foram-se os dias
Que guardávamos tudo
Lembrávamos de tudo
Vivíamos o mundo
E o tempo...
Ah! O tempo!
Devolva-me
Tudo que de mim
Roubou

Escuta!

26 de out. de 2009
Que barulho faz
Uma gota que não toca o chão?

Que barulho faz
O movimentar dos lábios no escuro?

Que barulho faz
O fingir que o mundo não é absurdo?

Que barulho faz
Seu sorriso besta de domingo?

Que barulho faz
O acordar no sereno da calçada?

Que barulho faz
Sua testa molhada de suor?

Faz barulho o silêncio?
Se é silêncio por não ser ouvido?
É silêncio o silêncio dos surdos?
Se não ouvem a palavra no muro?
Escuta!
Cala-te no negro escuro,
E ouça,
Esse silêncio ensurdecedor!

Do alto

25 de out. de 2009
Parado eu vejo o oceano
Daqui de cima tão humano
Com seus barcos frios
Flutuando atrás do muro
Somente os barcos flutuando
Pendendo na eternidade
Bem perto, bem longe
E um minuto sem controle
Só destroços e corpos
E alguém procura o filho
"- Olha! Não tem ninguém vivo!"
O muro despedaçou-se...
O que você vê no horizonte?
As cores se distorcendo?
Olha direito, sobre o muro
O muro está na sua frente
Na sua mente
Não adianta tentar...
Abra seus ouvidos
Ouça-os gritando
Bem perto, bem longe

Dois lados

Comigo é meu umbigo
Contigo um bom partido
Com ela uma cancela
Com ele o barco afunda
E cai a casa
E fica o sapato
A cada suspiro mais gasto
Um pedaço
De algo que se coma
E se queira
Um que flutue
Entre algum lugar ermo
E o limite
Inalcançável
Do meio termo

Terno, tiro e caviar

23 de out. de 2009
Da morte para capa
Por arma de porcelana e prata
Levemente manuseada
Por madame, cigarro e dedos
Vestido vermelho, salto
Cigarros negros, finos
Piteira trinta centímetros

Deu-me três cliques fatais
No peito, no peito, no peito
Reflexos manuais perfeitos
E orgasmos por trabalho bem feito

Que eu vestia humildemente: terno
Próximo à lady parecia hippie
Levantou seu vestido chique
Deixando à mostra o sapato
Personalizado Manolo Blahnik

E seguiu-estralou pela calçada
Com tapete preto, forrada
Para a dama flutuar efusiva
Entrou na limusine madrepérola

Em movimento, com o champanha aberto
Lá dentro esperava o motorista
Francês, poliglota e dislexo
Nascido em terroir


E eu lá fiquei no cair-carão
Esperando o flash disparar
A foto batida antes da polícia
Chegar e o morto imortalizar

Horta Mágica

21 de out. de 2009
Enterrado na horta
Está o corpo do morto
Há pouco conferi
Se brotou algum broto
Desgosto ou erva daninha
Ou qualquer tipo qualquer
De plantinha

Nada nasceu no lugar
Creio na superstição
De que nada nasce
Quando é pedra o coração

Resta esperar calado
O corpo morto se desintegrar
Ficar somente o espirro
E quando o "homem bom" passar
Vou oferecer um ramo
De qualquer planta qualquer
Só pra me deleitar
Que a terra pisada
É o eterno lar
De uma alma penada
Falar dos laços imaginários
Que rodeiam os amores
Os afetos, os afagos
E seus doces dissabores

Adiantar a palavra vazia
Que terminará com as mãos
Não mais unidas à anéis
Boca, rim ou coração

Sangrar até o momento
Que se esvairá
O sangue que se pode perder
Sem a morte reclamar

Esperar eternamente
O dia em que voltará
A arder em sentimentos
A revolta borbulhante
Que o amor novamente
Trará
20 de out. de 2009
Azul, verde, amarelo
Colar de dança havaiana
Um bezerro monta o outro
Vaca solta na pastagem
Se fosse macho seria
Indiscutível viadagem

Tantas vezes discutido
Suspirado com imagens
Sons de ronco, sacanagem
Flores, arranjos, véus
Mais ninguém canta o amor
Sentido na base do créu

Quanto ao significado
Do olhar de um amigo
Pode ser "muy" comum
Ou um tanto pervertido
Se o amigo é travesti
Com um lustre no umbigo

Ai!

Ai!
Grito dormente
De som suado de amor
Ouve-se em todo canto
E olha-se para ver
O motivo interjetivo
Que o fez aparecer
Se foi a unha encravada
Pisada sem querer
Ou o gemido da empregada
Buzinada sem saber
Ainda existe a remota
Mais viva possibilidade
De ter sido Mariana
Num suspiro de saudade

Negro, negro, negro

Foi um sim como qualquer outro
E o momento que define tudo
Ao redor rodava o vira mundo
E na cabana dormiam as crianças órfãs
As árvores sacudiam-se
O vento brincava com as telhas leves
Dobravam no ar a água e a luz dos raios
E o céu era negro, negro, negro
Se a pureza habitasse
O fundo do coraçãozinho
Eu diria que as luvas
Os anéis e candelabros
São melhores que os dias
Em que não abro a mão

O toque sem liberdade
O beijo desnecessário
A dor tingida de branco
E o pranto, e o pranto
E o grito, e o grito

Um acordar sem sentido
Um zumbido sem ouvido
Um tema distorcido
Um gemido no escuro
Sem saber, sem saber
O que há atrás do muro?

Poeminha 22 para deusinia

São as menininhas
Que vem me importunar
Quando mandam depoimento
Ou inventam convidar
A deusinha pra sair
A deusinha pra "rodar"
E não sabem tão burrinhas
Que pra casar com a deusinha
Eu tenho que :
Autorizar
Carimbar
Assinar
E se ao acaso
O caso não me agradar
Simplesmente não há
Simplesmente não há
19 de out. de 2009
Triste de tanto comer
Cheio de tanto escutar
Cansado de tanto ver
Molhado de tanto suar

E tudo se repetindo
O primo aleijado chora
Não pode brincar de correr
O primo encapetado berra
Ri alto até quase morrer

A prima que tinha espinha
Agora tem namorado
Taxista renomado
Já transportou deputado

A Tia magra de saia
Faz o papel da árvore colorida
E só para de falar
Pra mastigar a comida

Sentada no canto da sala
A vizinha deprimida
Perdeu o marido e os filhos
Alguém cochicha: "foi batida, foi batida"
Todo mundo ouve calado
E o aleijado se mija

E servem a mesa vermelha
Com cadáveres diversos
O marido novo de alguém
Vegetariano e advogado
Faz um discurso de protesto

E servem o segundo prato
E servem o terceiro prato
Peru, pato, leitão
Frango assado serve no quarto ao lado
A cunhada nova pro Ricardão

E entra na porta armado
Vestido de Papai Noel
O irmão todo exaltado
Pra encerrar o natal
Dá três tiros, afobado
No papagaio
Na parede
E no céu

E termina o natal
Sem sobremesa e sem graça
Como sempre ano que vem
Vai ser a mesma desgraça

Um alguém chamado Zé

18 de out. de 2009
De Vênus veio o Zé
Sem saber onde chegara
Perguntou: - Qualé?
Sem saber de onde ele vinha
Respondi : - Qual foi?
E brigamos

Zé era baixo como
Bem feio como
De cabelo duro como
Gordo (gordo) como
A maioria de nós é

Zé tinha tatuagem
Zé tinha dentes brancos
Zé tinha sapatos
Maiores que o pé

Tinha o olhar longe
Tinha vontade de ser monge
De ganhar na loteria
Isso o Zé sempre pedia

O Zé era gente fina
Conversava a noite toda
Bebia sempre que podia
E sempre que não podia

O Zé era
Um Zé ninguém

Nunca tinha trabalhado
Estudado ele já tinha
Nunca tinha namorado
Transado ele já tinha
Nunca tinha tido amigo
Essa parte foi comigo

Mas o Zé
Pensava como ninguém
Argumentava como ninguém
E ria de qualquer bobagem

Um dia, um belo dia
Aquele dia qualquer
Quando ninguém imagina
Morre de overdose o Zé

Zé-presunto desceu o rio
Desaguou lá no bem longe
E sumiu não sei pra onde
Vestia blusa de frio
Calça laranja e boné

Nesse dia ele partiu
E não desaguou no mar
Zé se prendeu num galho
E preso lá deve estar
16 de out. de 2009
Da libido
Tenho medo
Nâo se pode
Vacilar
Ou contar
Algum segredo

Da saudade
Que suave
Invade
O rim
Eu não deixo
De gostar

Da linguagem
Obscena
Que condena
Que condena
Faz bem
Um bem bom

Da posição
Do lustre
Só lembranças
Tantas, tantas
Ah!, bom tempo
De criança
12 de out. de 2009
Quando quero foto de criança
Escrevo criança e acho

Se quero uma nebulosa escura
Digito e sempre encontro

Flores floridas em março
Cadeiras, bolos e chapéus

Inocentemente procuro
E vem a mim saltitantes


Me descontrolo se quero
Encontrar uma mulher composta
Mesmo que esteja de costas

Encontrar uma freira amiga
Mesmo que pouco vestida

E se tento uma ninfa virgem?
Impossível, impossível...

Alguém sopra ao meu ouvido
“Se for isso que quer achar,
Escreve Boceta”

Luamádentrô

Uma lua luou num luar radiante
Esfregou na minha boca teu corpo excitante
Expurgou seu gozar num claríssimo instante
E se foi, foiseindo pro inferno de Dante
E me deixou deixado no prefácio eterno
Num início doloroso, dolorante
Vazou a lua no mar, luamadentrô
Rapariga!
Neguinha que padece de usura
Não esquece nenhuma amargura
Quebra a esquina do pecado nua
E anda de tamancos na calçada
Não sente dor, tristeza, espanto
Mais se pagam bem se esconde em algum canto



Sobe o telhado paladinha
Vai espiar o filho da vizinha
Da comida de manhã pro gato
Toca o seio e troca o sapato
Veste um terninho, assim, bem passado
E rebola-desce a ladeira do mercado
Sem pensar em nada, espevitada
Guardando mágoa da vida passada



Tempo bom de empregada
Lavar, passar, cozinhar o patrão
Limpar tudo até ter promoção
Perder o emprego e a comunhão
Cuspir a hóstia sagrada no chão
"Mulher cabrita aqui entra não"



Ganhou meio dia pedaço de pão
Esbravejou, não quis esmola
Pau-de-arara,leva a vida na sacola
Rodoviária, trepa, ganha, come
A fome dói quando se sente fome



Resmungar e viver sua vida
Sonhos distantes na manhã sofrida
Lavar latrina pra ganhar trocado
Bunda pra cima e tá tudo arrumado
Pegar o mote debaixo da pança
Lembrar do tempo que já foi criança



Olhar no olho da ingenuidade
E tudo aquilo agora é só saudade
Amarga o peito e chora com vontade
Escorre o rosto a lágrima salgada
Triste destino da mulata
Boa de lida, de cama e de estrada

Definição minimalista sobre o mundo II

O mundo é um cabaré, às vezes, paga-se pra gozar, às vezes, goza-se sem pagar.

Desmembrando o Frango Assado

10 de out. de 2009
Quando a menina inventou
Essa suave posição
Não ousaria pensar
Em quanta perversão
Lançou

O garoto tímido
Que no quarto se escondia
Viu seu tio advogado
Escalando sua tia
Gozou

O operário cansado
Com a marmita na mão
Viu da secretária os tamancos
Na janela do patrão
Sentou

A garota que acompanha
Sempre farta da sua lida
Obedece ao comando
De levar perna na orelha
Cansou

A senhora da estrada
Que não tinha opção
Encontrou jovem empresário
E na vida salvação
Pôs suas pernas pro alto
E na alta do tesão
Casou

Fita Rosa No Cabelo

Sentado na grama da rua
Olhando a menina brincar
Ele a vê toda nua
Não deixa a garota pular

Ela parada na praça
Balançando suas tranças
E ele só pensa em traçar
A jorbela da criança

A menina escorrega
Ele sente calor doído
A grama que roça a coxa
É a menina sem vestido

Eu vejo de longe seu rosto
E sinto profundo desgosto
Em não ter imaginação

A menina pulando de tranças
É só
A menina pulando de tranças
Um dia na infância perdida
Vi num canto da rua adormecida
Uma menina-vampira dormindo
Fiquei com medo e fui embora
E nunca mais a vi
Ela deve estar em outro lugar
E eu continuo aqui
Ela deve dormir em outra rua
E eu durmo na mesma cama
Sempre, sempre, sempre
Eu queria,
Antes de morrer
Andar na rua de novo
Só pra ela me morder
Hoje eu tô lerdo
Não sirvo nem pra pensar
Só pra assistir a tv
E ver a Kelly Key cantar
A voz dela entra no ouvido daqui
E sai no ouvido de lá
6 de out. de 2009
O mundo, na verdade, é um cabaré a céu aberto, porque se fosse a céu fechado agente ia ter que pagar pra viver.
O sol queima queima queima
No fogão a sopa
A sopa ferve ferve ferve
O velho chinga chinga chinga
 "A sopa tá pronta"
Grita grita grita
E todo mundo come

Poeminha para deusinia

O sol calora
A testa sua
O suor escorre
Na cara do besta
Salga a boca
E pinga na teta